Boas histórias sempre ficam na lembrança.
Um bom argumento, que tem um roteiro bem trabalhado e um desenhista que dê vida ao preto e branco das palavras, é o ponto de partida para uma obra singular.
O traço limpo e perfeito de Milo Manara, desenhista italiano que sabe como poucos retratar a anatomia feminina nos quadrinhos, muitas vezes encobre roteiros fracos, como os da série O Clic e do álbum Kamasutra. Embora a maioria dos seus roteiros seja de conteúdo erótico, isso não implica que a trama deva ser constantemente meia-boca.
Manara torna-se excelente quando encontra parceiros que conduzam o seu lápis a caminhos mais ousados, como Federico Fellini, em Viagem a Tulum, Hugo Pratt, em Verão Índio e El Gaucho, e Alejandro Jodorowsky, na inacabada série Bórgia.
Verão Índio foi uma das primeiras parcerias entre Manara e Pratt, escrito, desenhado e pintado no início dos anos de 1980, para a revista Corto Maltese, e uma das obras mais poéticas e menos explícitas do quadrinho erótico mundial.
Recém relançado no Brasil pela editora Conrad (152 páginas, capa dura, papel couché colorido, R$ 49,90), Verão Índio era um dos álbuns mais requisitados por quem aprecia quadrinhos de arte, haja vista a sua tiragem estar esgotada há anos – do tempo em que a editora Martins Fontes apostava em bons quadrinhos –, além de a edição portuguesa da Meribérica aparecer em leilões, pela internet, a preços pra lá de salgados.
Quando o verão índio estava para chegar, os ânimos dos silvícolas norte-americanos ficavam mais exaltados. Isso levou um guerreiro índio e um holandês, ambos da tribo de Squando, a estuprarem uma jovem branca puritana, sobrinha de um pastor com reputação duvidosa, do vilarejo de Nova Canaã, na conturbada América do século XVII.
Essa sequência que abre a referida obra tornou-se clássica, toda em narrativa visual, cujo clímax é o barulho da espingarda de Abner, que atira duas vezes para matar e escalpelar os aproveitadores da sua amada.
A partir desse prólogo trágico, somos apresentados à “mulher-demônio”, a senhora Lewis, e aos seus outros filhos, os meio-irmãos de Abner.
Dos milharais, os índios da tribo de Squando veem o movimento na casa da senhora Lewis e resolvem partir para a desforra.
As cenas de luta entre índios e brancos são belíssimas, pois a aquarela de Manara dá um quê de requinte aos combates sanguinolentos.
E quando tudo parecia estar se resolvendo, velhos segredos são revelados e, dessa vez, os brancos expiam suas consciências pesadas.
O que é mais explícito em Verão Índio é a vergonha de um continente pela falsa moral de quem se dizia o “civilizador”.
2 comentários:
Grande estória (baseada nalguns factos reais) e grande arte, só com paralelo no outro livra desta dupla: El Gaucho!
Tens razão quando dizes que Manara funciona melhor quando é acompanhado!
TB tenho a mesma visão sobre a obra do Manara carecer de bons roteiros.
Tenho um certo de número de albuns dele e até por isso mesmo não me arriscava mais comprar nada dele, entretanto, algumas indicações e outras resenhas (esta sua por exemplo) me levou a compra-la.
Entretanto, algumas cenas achei bem gratuitas,"bem Manara", ou seja, um pouco fora do contexto pela epoca que está situada. por outro lado quando começa as sequências e batalha, Verão Indio tem um ritmo cinematográfico invejável que fez valer o investimento.
Aliás, Esta edição da Conrad ficou excelente.
Se puder leia a Tex edição Gigante, A Última Fronteira que de certa forma que é muito semelhante.
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