Entrevista comigo no blog da Velvet
O amigo Marcelo, da Velvet Discos, me entrevistou semana passada e a entrevista está lá no blog da Velvet(http://www.velvetdiscos.com.br). Posto-a aqui também, na íntegra.
Autor: Marcelo Morais
Publicado em 08/09/2008 | 9:15 am
Milena Azevedo, microempresária, historiadora, poeta e contista, é figura conhecida entre os que acompanham os comics aqui em Natal e Brasil adentro, com a Garagem Hermética Quadrinhos, vendendo e divulgando com muita propriedade as obras dos desenhistas e roteristas do gênero.
Ela gentilmente - como sempre - aceitou meu convite para responder 7 perguntas sobre suas atividades, e deu algumas dicas interessantíssimas para quem quer conhecer mais sobre esse universo.
1) Como surgiu o interesse pelos quadrinhos? Quais os autores e leituras mais marcantes?
R: Desde tenra idade, quando eu nem sabia ler, já segurava as revistas que me davam (de cabeça pra baixo, propositalmente, e eu as desvirava). Meus pais sempre me incentivaram a ler (e a meus irmãos também), então o que caía nas minhas mãos, eu devorava. Li muito Turma da Mônica, Disney, Os Trapalhões (lembro-me de quando estava estudando em São Paulo, no prezinho, quando vários professores proibiram a leitura dessa HQ, afirmando que prejudicaria as crianças que estavam na alfabetização), Asterix, Tintin e Lucky Luke. Os heróis chegaram depois, com algumas revistas do meu irmão e dos colegas dele. Batman, sem dúvida, sempre foi meu herói favorito, isso porque eu via a satírica série de TV, de 1966 (que reprisou no SBT, nos anos de 1980), os desenhos animados da dupla dinâmica e os Superamigos. Batman me cativou porque ele era um herói sem super poderes e era detetive (meu Deus, eu tive uma fase Sherlock Holmes que não foi brincadeira, dos meus 10 aos 14 anos eu era extremamente racional e analisava tudo). Depois veio a fase X-men e, na universidade, quando eu conheci o Surfista Prateado, apaixonei-me na hora por seus dramas existenciais. Mas, afirmo sem sombra de dúvida, que as leituras que mais me marcaram foram No coração da tempestade, uma HQ praticamente auto-biográfica do mestre Will Eisner (eu tenho uma cópia autografa!); O Edifícil, também do Eisner (não tem como ler Eisner e não se emocionar); Às Inimigo – um poema de guerra, uma HQ lindamente pintada, do George Pratt, sobre o encontro de um norte-americano ex-combatente da Guerra do Vietnã e o temível Barão Vermelho, um verdadeiro genocida alemão, da II Guerra Mundial; X-men: conflito de uma raça (auge do Chris Claremont no título dos mutantes); A Piada Mortal (meu primeiro quadrinho de Alan Moore); Asilo Arkhan (parceria sensacional entre Grant Morrison e Dave McKean); Batman - Cavaleiro das Trevas (Frank Miller reinventando o Morcegão) – leituras maduras do Batman; Parábola, Stan Lee e Moebius juntos fazendo algo sobre o Surfista Prateado, quer mais?; e Watchmen (a HQ do século XX). As séries Sin City, Sandman, Hellboy,Preacher, Lobo Solitário e Ken Parker, e autores europeus como Enki Bilal e Miguelanxo Prado, só vim conhecer nos anos 2000, mas já têm lugar cativo no meu coração.
2) Como entrou para o mercado de quadrinhos?
R: Percebi que, assim como eu, muitos colecionadores de HQs, daqui de Natal, sofriam com a má distribuição feita no Brasil, além do pouco caso das livrarias potiguares quando o assunto era quadrinhos. Passei alguns anos comprando pela Internet, porque era a única forma de adquirir material recente de boa qualidade. Também havia a questão de juntar os quadrinistas potiguares, que andavam um tanto quanto dispersos, e criar um point para se trocar idéias sobre HQs, de uma forma mais adulta, sem preconceitos e pessoas desinformadas olhando torto.
Foi por isso que, em julho de 2005, juntando todas as minhas economias, trouxe a Natal a Garagem Hermética Quadrinhos ou GHQ, a primeira comic shop de vergonha daqui, vamos dizer assim (nos anos de 1990, uma garota havia montado uma, que não durou muito tempo), a qual ostentava o selo do HQClub. Então, pela primeira vez, muitas HQs que só se conseguia comprando fora ou pela Internet, já se podia folhear e comprar em terras potiguares. Dei vez e voz aos quadrinistas locais e nacionais (ainda hoje há títulos que você só encontra na GHQ), alguns voltaram a fazer quadrinhos devido à GHQ, e consegui também os famosos álbuns da Editora Meribérica, de Portugal, a preços mais acessíveis.
Infelizmente, o preconceito ainda impera no “mundo dos quadrinhos”. No Nordeste, a questão ainda é pior. Meu trabalho é de formiguinha mesmo, tentando mostrar, a quem aparecia na GHQ, o quão é importante a leitura de uma HQ, pois é uma leitura semiótica, ou seja, trabalha com o verbal (textos e diálogos) e com o não-verbal (desenhos), exigindo do leitor um esforço maior para decodificar símbolos diversos, fazer associações e entender a mensagem que o(s) autor(es) queria(m) passar.
3) O que você acha das adaptações feitas dos comics para o cinema?
R: O que se precisa deixar claro é que HQs e cinema são mídias diferentes. Há um texto muito bom no livro “Quadrinhos: sedução e paixão”, do Prof. Moacy Cirne, que esclarece bem a questão.
Há situações que casam bem nos quadrinhos, mas que na tela do cinema seriam um desastre. Por isso, é necessário se fazer uma “adaptação” da obra, da mesma forma que acontece com um romance. O roteirista precisa reescrever a história, repensando as cenas, colocando-as em linguagem cinematográfica, e o diretor precisa ter uma boa mão para modelar essas cenas, de forma que não distõem tanto da HQ base.
Nesse sentido, uma das melhores adaptações de quadrinhos para o cinema foi 300, na minha opinião. As mudanças que o diretor Zack Snyder optou por fazer foram perfeitas. Ele quebrou a narrativa, intercalando cenas de batalha com a “calmaria” na cidade de Esparta, focando sempre na rainha Gorgo, esposa de Leônidas.
Outro filme emblemático é Sin City. Esse filme teve a proposta de ser feito para ser “lido”, ou seja, ele foi concebido para ser o mais fiel possível às três histórias da série: A cidade do pecado, A Grande matança e O Assassino Amarelo. A sensação de quem assisti a ele é estar passando as páginas de um quadrinho.
Outras adaptações bacanas, as quais eu assisti, foram: Imortal, Estrada para Perdição, Conan – o bárbaro, Superman – o filme, Batman Begins, Batman – Cavaleiro das Trevas, Homem-de-Ferro, Dick Tracy, Hellboy, Blade 1 e 2, a trilogia do Homem-Aranha, Old Boy, Anti-herói Americano, O Corvo e o recente O Procurado.
Adaptações medianas: Crying Freeman, Do Inferno, Demolidor e V de Vingança.
Péssimas adaptações: A Liga Extraordinária, Elektra e Mulher-gato.
4) Que indicações de quadrinhos você daria para um iniciante?
R: O primeiro passo é quebrar o preconceito, por isso é sempre bom começar com clássicos modernos como O Edifícil, Asilo Arkhan, V de Vingança. Depois, dependendo do gosto da pessoa, indico a série Love and Rockets, dos irmãos Hernandez, os comix undergrounds do Robert Crumb, toda a série Sandman, do Neil Gaiman (essa é tiro e queda), Estranhos no Paraíso, do Terry Moore, e as HQs auto-biográficas da Marjane Satrapi, Persépolis e Frango com Ameixas.
É sempre bom sugerir leituras que se aproximem mais do dia-a-dia das pessoas, depois é que se apresenta um trabalho mais elaborado, com várias referências, como Planetary (até quem não curte muito o gênero super-herói, gosta dessa série), Reino do Amanhã, Watchmen e Corto Maltese, por exemplo.
Ah, e tem as HQs nacionais, que também são uma ótima pedida: Menina Infinito, O corno que sabia demais, Os Malvados (tirinhas do André Dahmer que fizeram um sucesso enorme na Internet e a editora Desiderata compilou esse ano) e todas da série 10 Pãezinhos, dos premiados gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá.
5) Como se encontra a produção potiguar de quadrinhos? O que falta para ela se alavancar?
R: Em construção. Podia estar melhor, pois há muitos quadrinistas aqui, mas infelizmente o incentivo (e o reconhecimento) ainda é muito aquém do esperado. O pessoal sobrevive mesmo dos trabalhos para o exterior, como Wendell Cavalcanti, Victor Negreiro, Lula Borges e Carlos Alberto (o Galego). Os que lecionam, como Luiz Élson, Wanderline e Teo Duarte, têm a chance de mostra seu trabalho a mais pessoas.
Hoje, com o projeto da revista Maturi, pode-se juntar a antiga e a nova geração dos quadrinhos potiguares: Márcio Coelho, Gilvan Lira, Ivan Cabral, Emanoel Amaral, Luiz Élson, Wolclenes Freitas, Veríssimo e Teo Duarte, por exemplo.
Tem muitos outros artistas que lançaram ou vêem lançando material esporádico, seja impresso, seja virtual, como: Eduardo Kowalewski (mais conhecido pelo personagem The Negão), Tati Viana, Fernando Aureliano, Gabriel Actraiser, Miguel Rude, Roberto Flávio (o Beto Potyguara), Joseniz Guimarães, Fernanda Kelly, Deuslir e eu (que também comecei uma parceria com Wanderline, Victor e Wendell).
Não se pode deixar de mencionar o batalhador Francinildo Sena que, em Pau-dos-Ferros, vem produzindo dois fanzines que o Brasil todo já conhece, menos Natal: Heróis Brazucas e O Crânio.
Acredito que a união faz a força e mesmo que as opiniões divergentes tenham recentemente causado uma “separação” desses artistas em “blocos” ou trabalhos autorais propriamente ditos, cada um fazendo o que gosta de fazer, no momento de aparecer e vender, é necessário que todos compareçam, seja para elogiar ou tecer críticas construtivas. Dessa forma, unidos, a probabilidade de chamar a atenção da mídia e da sociedade é maior.
6) Se você tivesse a oportunidade de sugerir políticas publicas para incentivo a produção nacional, quais seriam suas sugestões?
R: Em primeiro lugar, destinaria uma verba, dentro do que é destinado à cultura, para a produção e o incentivo de leitura de HQs, tanto para crianças quanto para jovens e adultos. Sei que os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) já sugerem formas dos professores inserirem as HQs em salas de aula. Isso é um começo, mas precisa ser realmente efetivado. Nas bibliotecas públicas, é necessário que se tenha uma coleção, pelo menos mediana, de bons quadrinhos. É necessário também se criar mais Gibitecas nas cidades brasileiras (tanto nas capitais quanto nas cidades do interior), locais onde, além de poder ler um bom quadrinho, a população tenha acesso a cursos, palestras, oficinas, a projeção de filmes e animações. Cultura é algo que deve ser estendido a todos. O ser humano precisa aprender a pensar, refletir, criar. O lápis e o papel são as armas mais eficazes contra a maioria das desgraças que se vê hodiernamente. Em geral, as pessoas têm deixado de sonhar; as crianças principalmente. O que se esperar de uma geração assim? Não consigo ver isso e ficar calada. Nossos políticos não deviam fazer vista grossa para o problema, pois como já cantou Humberto Gessinger: “quem ocupa o trono tem culpa”. Sejamos mais do que podemos ser, pelo menos na nossa imaginação.
Hoje, já se tem o incentivo cultural do BNDES, da Petrobrás; tem-se a Lei Rouanet, a Lei Djalma Maranhão, a Lei Câmara Cascudo e, agora, a Lei do Livro, isso é um começo. Projetos precisam ser feitos com cuidado e sem panelinhas.
Só se pode produzir, quando se conhece e se gosta de algo. Quanto mais os quadrinhos forem disseminados nas escolas e universidades, mais crianças, adolescentes e adultos tenderão a querer fazer as suas próprias histórias.
Com tudo isso feito, para completar o processo, seria necessário um meio eficaz de divulgação e distribuição das HQs por todo o país.
7) O que podemos esperar da nova proposta da GHQ, agora loja exclusivamente virtual?
R: Desde o final de julho, a GHQ está funcionando apenas como loja virtual. As despesas para se manter uma loja física são altas e, com um planejamento anteriormente feito, decidi investir na loja pela Internet: www.ghq.com.br.
O Portal GHQ vende somente quadrinhos novos, que podem ser comprados com qualquer cartão de crédito (dividindo em até 12 vezes), boleto ou transferência eletrônica, através do sistema PagSeguro, do UOL, com isso investimos na segurança do cliente. E, além de loja, o Portal GHQ é uma grande vitrine dos quadrinistas nacionais, com as seções Galeria, Entrevistas e Notícias, e também a de artigos sobre qualquer trabalho envolvendo cultura pop.
Eu estou ministrando palestras sobre Histórias em Quadrinhos, já tenho três agendadas: uma em setembro – dentro da programação do Encontro Multicultural, no Orla Sul -, outra em outubro – dentro da programação do V ENEX, da FACEX -, e mais uma em novembro – essa, na UFRN).
Quem quiser me contratar para ministrar palestras sobre HQs, em escolas, associações e eventos, meus contatos são: (84) 3082-4505 ou (84) 8843-2901 e ghermetica@gmail.com.
2 comentários:
Aê Mileninha e sua infância e juventude nerd :P.
Pois é, Tati. Era nerd mesmo! (não que eu tenha deixado de ser ao todo, pois tens alguns vícios que ficam).
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