quarta-feira, 18 de março de 2009

The Spirit Reloaded

Os herois precisam ser reelaborados de tempos em tempos para que uma nova geração os assimile. É comum ver várias histórias do Superman, do Batman e dos X-men, por exemplo, atualizadas; algumas até com alterações de passagens clássicas, o que chega a causar ataques de asma, frio na espinha e dor de cabeça em fãs mais conservadores. Com Hollywood investindo exorbitantes somas de papel moeda em roteiros que abrangem esse universo em particular, as grandes editoras norte-americanas (leia-se DC e Marvel) ficam afoitas para lançar novas HQs de velhos personagens, como é o caso de The Spirit - As Novas Aventuras(Panini Comics, 148 páginas, R$ 15,90), uma edição encadernada contendo oito histórias do personagem mais famoso do mestre Will Eisner, pelas mãos de quadrinistas do gabarito de Dennis O´Neil, Eduardo Risso, Sergio Aragonés e Mark Evanier. Dessas oito histórias, cinco são da dupla criadora do atrapalhado bárbaro Groo – o errante, Aragonés e Evanier, que se perderam um pouco em algumas, mas acertaram em cheio com O Cruzeiro (arte de Aluir Amâncio e Terry Austin) e O retorno das múmias (arte de Paul Smith e Walden Wong), porque essas sim trazem um tom cômico exato presente nas investigações do detetive Dennis Colt, o Spirit. Na primeira, Spirit precisa embarcar num cruzeiro para ficar de olho numa mulher que ostenta um magnífico colar, e termina por presenciar mais de um crime; já na segunda, ele vai ao Egito escoltar múmias que seguirão para uma exposição num museu norte-americano, mas que estão nos planos de seu inimigo, o Octopus (olha o pessoal da Panini querendo apresentar um dos vilões da nova adaptação do Spirit para o cinema). Tesouro de família é uma história bem contada pelo veterano Dennis O´Neil (Batman – o filho do demônio e O Sombra – 1941: o horóscopo de Hitler), com arte de Ty Templeton (Batman – Inimigos Mortais), que leva o Spirit para o cemitério, em baixo de chuva torrencial, atrás da herança de uma imigrante. Glen David Gold (Carter e o Diabo) e Eduardo Risso (100 Balas, O Menino Vampiro) assinam Os Cem!, a trama mais noir da edição (e a única que não presta homenagem aos letreiros The Spirit), sobre uma quadrilha em que todos os membros se vestem como o Spirit, mas tem seus planos frustrados devido a um incidente no zoológico. No entanto, o destaque dessa edição fica para a roteirista Gail Simone (Aves de Rapina, Mulher Maravilha), com a história As profundezas do coração gélido, que tem arte da dupla Phil Hester e Ande Parks (Superman e Batman), porque constroi uma trama original, preenchendo os balões apenas com símbolos, e ainda coloca o Spirit em situações prá lá de embaraçosas, tendo que recorrer inclusive à ajuda de mendigos. No geral, esse especial leva nota 7,5, por trazer histórias muito boas intercaladas com outras ruinzinhas de dá dor, que extrapolam os clichês do detetive de terno azul e gravata vermelha.

domingo, 15 de março de 2009

Botando um sorriso sob o capuz ou como Snyder vigiou bem os Watchmen

Qualquer apreciador da nona arte sabe que Alan Moore é sinônimo de detalhe e preciosismo. Até quem nunca leu uma HQ na vida já ouviu falar de Watchmen e tem noção de que é uma história complexa. Um fã de Alan Moore tem consciência de que os roteiros do “brujo” foram sofrivelmente adaptados para as telas de cinema – faço uma ressalva quanto à V de Vingança, que ficou um filme mediano muito mais pela atuação de Hugo Weaving do que pelas mãos dos irmãos Wachowski –, por isso o temor que se abateu sobre a adaptação de Watchmen foi geral. Eu diria que chegou mesmo até a ser uma espécie de histeria coletiva. Depois, com notícias, imagens e teasers aparecendo em tudo quanto era buraco na internet, formaram-se dois grupos: os que torciam o nariz cada vez mais e os que apostavam no trabalho de Zack Snyder. Confesso que eu particularmente queria ver Watchmen no formato minissérie para TV – ficaria redondinho –, mas o diretor de 300 sempre teve o meu voto de confiança, mesmo anunciando que não iria incluir Os Contos do Cargueiro Negro – uma HQ inserida nas páginas de Watchmen, uma das primeiras experiências de metanarrativa na arte seqüencial – no corte final que iria ser exibido no cinema.

Após uma espera tortuosa, com direito à pressão da FOX e tudo o mais, Watchmen – o filme estreia no mundo inteiro no dia 6 de março do presente ano. Eu esperei alguns dias para assistir ao filme devido a uma inflamação na garganta, aproveitando para reler a HQ nesse período. Porém, toda a espera foi recompensada, pois saí do cinema maravilhada – dentro do cinema, então, vocês nem imaginam qual era o meu estado –, novamente parabenizando “as mexidas” de Snyder, que soube fazer um apanhado quase perfeito da trama principal da história de Moore, alterando apenas algumas situações que apenas cabiam na mídia história em quadrinhos (como a questão de alterar cores quentes e cores frias nos requadros, como também cada início e final de capítulo serem simétricos).

Vou começar falando sobre as escolhas dos atores, nenhum deles uma grande estrela da sétima arte, que souberam entrar de cabeça nos personagens: Billy Crudup/Dr. Manhattan, Jackie Earle Haley/Rorschach, Patrick Wilson/Coruja, Jeffrey Dean Morgan/Comediante e Malin Akerman/Spectral, ficando um desempenho mediano apenas para Matthew Goode/Ozymandias. Os Minutemen também foram muito bem caracterizados e protagonizaram uma sequência que já virou clássica, mostrando a passagem de tempo entre as décadas de 1940 e 1980, nos créditos iniciais, ao som de The Times They Are A-Changin´, de Bod Dylan (um dos compositores citados por Moore dentro da obra). Até o vilão Moloch, interpretado por Matt Frewer, e o psicólogo negro que cuida do seu caso na prisão, Dr. Malcolm Long – que teve uma participação bem mais enxuta do que nas HQs – estavam perfeitos. Outra bola na cesta foi o visual do Dr. Manhattan, que apareceu nuzinho pelado sem pudor algum, tal qual a versão desenhada por Dave Gibbons.

Quanto à trilha sonora, muito bem escolhida, contendo inclusive algumas músicas mencionadas na HQ, como Unforgettable, de Nat King Cole (propaganda do perfume Nostalgia, de Adrien Veidt/Ozymandias) e You’re My Thrill, de Billie Holiday. Alguns fãs criticaram o fato de Snyder ter colocado Hallelujah, de Leonard Cohen, na cena de amor entre o Coruja e a Spectral, mas na minha opinião ficou perfeito, haja vista Laurie ter sido o amor platônico de Daniel, que finalmente conseguiu tê-la nos braços pra valer (inclusive, pela HQ, supõe-se até que ele era virgem). Outras escolhas certeiras foram as versões de duas músicas do Dylan: All Along The Watchtower, por Jimi Hendrix, e Desolation Row, pelo My Chemical Romance, fechando o filme com chave de ouro.

Snyder foi deveras cuidadoso com o detalhismo de Moore, e mesmo omitindo algumas passagens, como a história completa de Rorschach (mostrando como ele encontrou o tecido com o qual elaborou a sua máscara), a relação entre o jornaleiro, o menino que lê Os Contos do Cargueiro Negro e a taxista lésbica Joey, o escritor Max Shea e outras personalidades desaparecidas na ilha de Veidt, a própria história de Veidt/Ozymandias e o monstro que destrói Nova York (que foi uma homenagem de Moore aos pulps e filmes de FC da década de 1950, uma vez que na HQ os letreiros do cinema anunciam o filme O dia em que a Terra parou), porque focou o filme numa trama bastante política – Nixon pedindo desculpas à União Soviética em rede nacional foi uma ótima tirada –, ainda assim estão lá diversas homenagens à HQ, como a questão da simetria, presente no capítulo 5.

Watchmen – o filme faturou 55,7 milhões de dólares em sua estreia nos EUA. O que é um bom começo.

Não sei se foi o filme que alguns fãs mais exaltados esperavam, mas foi o que Syner pode fazer e o que me deu um imenso prazer em assistir. Vou rever mais algumas vezes e esperar ansiosa pelo DVD.

Texto publicado originalmente no e-zine Asfixia, em 15/03/09.