quarta-feira, 29 de abril de 2009

Lembranças de uma guerra que se quer esquecer

O cérebro humano é mesmo algo incrível. Para nos salvaguardar de experiências traumáticas, simplesmente deleta as imagens, confundindo a nossa memória. Mas o que fazer quando pequenos flashes de lembranças desagradáveis se manifestam em forma de sonhos?

O cineasta Ari Folman resolveu fazer um documentário em formato de animação, desenhado por David Polonsky, chamado Valsa com Bashir – que também resultou numa história em quadrinhos, publicada recentemente, no Brasil, pela L&PM (colorido, papel couché, R$ 46,00) –, para contar ao mundo a sua experiência com os mistérios da falta de memória sobre a sua participação na Guerra do Líbano, mais especificamente no massacre ocorrido nos campos de refugiados de Sabra e Chatila, no ano de 1982, quando os cristãos falangistas mataram sem dó nem piedade os palestinos muçulmanos.

A história toda tem início quando um amigo de Folman lhe relata um estranho sonho com cachorros, intrigando-o porque esse sonho remetia à lembranças da Guerra do Líbano, lembranças essas que ele não tinha, mesmo sabendo que esteve lutando, como soldado, por lá.

Não entendendo o que está acontecendo e sendo perturbado por um sonho recorrente, onde ele e mais dois amigos, dos tempos da citada guerra, saiam do mar e caminhavam nus, em direção à Beirute, parte para encontrar esses amigos e descobrir o que é real e o que é “construção” da sua memória.

Para surpresa de Folman, alguns desses amigos também não lembram de várias passagens da Guerra do Líbano. Isso faz com que ele fique ainda mais confuso, até que conversa com a professora Zehava Solomon, a qual lhe explica sobre o “evento dissociativo”, um trauma de guerra bastante comum.

Apesar de tudo o que descobre, as memórias sobre o massacre de Sabra e Chatila ainda não são claras. Folman averigua mais um pouco. Sua mente culpada não lhe permitia enxergar, então ele relembra que esteve mesmo lá, disparando sinalizadores noturnos, mas logo declara que não viu nada da matança. E então, quando as memórias mais dolorosas regressam à sua mente, as imagens passam a ser fotografias, não mais desenhos. Foi real. Foi desumano. Foi algo a ser esquecido, mas que não podia ser apagado dos olhos do mundo.

Texto a ser publicado na versão impressa do Solto na Cidade.

Nenhum comentário: