segunda-feira, 13 de julho de 2009

Jorge Amado em quadrinhos (e uma curiosidade)

Nunca se viu tanta adaptação literária para a nona arte como nessa primeira década do século XXI. Há obras belíssimas, mas, em contrapartida, há outras que merecem apenas uma reles folheada.

O “boom” dessas adaptações é justamente a possibilidade de se vender um “pacotão” para as escolas públicas, embora quem faça a seleção nem sempre leia o material que tem em mãos e as lambanças aconteçam, como se viu no episódio da coletânea Dez na área, um na banheira e nenhum no gol, que foi erroneamente indicada para alunos do terceiro ano do ensino fundamental, pela Secretaria de Educação de São Paulo, tendo o governador José Serra ido à TV dizer que era uma obra “de muito mau gosto”. Faça-me o favor. Lembro que Dez na área, um na banheira e nenhum no gol não é uma adaptação, mas precisei citá-la aqui para ilustrar essa débil prática de seleção feita no Brasil, que se baseia na capa da revista e na leitura do prefácio da mesma, que veio à tona devido a essa polêmica.

Voltando às adaptações, vamos falar de uma muito bem feita: Jubiabá (Quadrinhos na Cia., 95 páginas, colorida, R$ 33,00). Jubiabá é um romance de Jorge Amado, publicado em 1935, que o quadrinista Spacca roteirizou, desenhou e coloriu no período de um ano e meio, e que marca a primeira investida do selo Quadrinhos na Cia. nas pratas da casa.

Em Jubiabá, conhecemos o ABC de Antônio Balduíno, o Baldo, um negro órfão, criado pela tia. Essa tia incorporou um “espírito” e foi parar no hospício, deixando Baldo sozinho no mundo. Mas o moleque travesso, que queria virar lobisomem, foi chamado para trabalhar na casa do Comendador Pereira. Lá, conheceu o mundo dos brancos e jurou nunca mais se deixar subjugar a ele. Passou boa parte da vida como malandro profissional. Chegou a fazer fama passageira como lutador de boxe e depois foi trabalhar em uma plantação de fumo e no circo. Tudo para esquecer Lindinalva, a filha do Comendador Pereira, seu grande amor.

Com a morte de Lindinalva, Baldo finalmente arranja um emprego sério. Vai ser estivador. Em pouco tempo de batente, uma greve tem início e Baldo descobre que, juntos, os trabalhadores tem força; e a força deles é a arma contra a opressão dos patrões. Descobre-se gente. Percebe que pode viver no mundo dos brancos sem ter que abaixar a cabeça, e assim torna-se verdadeiramente livre.

Poucos sabem que Jorge Amado teve uma estreita relação com as histórias em quadrinhos. Em 1934, co-escreveu a série Os Quatro Ases, com Matilde Garcia-Roza, com desenhos de Santa Rosa, para o Suplemento Infantil de Adolfo Aizen. Teve três de seus romances adaptados para quadrinhos, na década de 1950, que fizeram parte da coleção Edição Maravilhosa, da Ebal. Jorge Amado estimulava essas adaptações, contrariando o seu editor na época, José Olympio, o qual pensava que os quadrinhos iriam prejudicar as vendas dos seus romances. Tornou-se um grande amigo de Aizen, e diversas vezes visitou as instalações da Ebal com seus filhos, leitores vorazes de quadrinhos.

O fato mais curioso dessa história é que na década de 1950, para mostrar à sociedade que a leitura dos quadrinhos era algo benéfico à juventude, Aizen investiu em um grande número de adaptações de obras nacionais para quadrinhos, nas páginas da Edição Maravilhosa. No entanto, a rigidez da autocensura que Aizen estabeleceu, não permitiu que a adaptação de Jubiabá fosse publicada. Anos mais tarde, houve uma segunda adaptação de Jubiabá. Essa, com roteiro de Fernando Albagli e desenhos do mestre Eugenio Colonesse, que não chegou a ser publicada por falta de interesse editorial, como nos conta Gonçalo Junior, em A guerra dos gibis.

Spacca ganha todos os méritos por concretizar a publicação dessa adaptação, retratando fielmente a Bahia dos anos 1920 a 1940. A sua extensa pesquisa pode ser conferida na bibliografia e nos esboços que constam na obra da Quadrinhos na Cia., como também no blog criado pelo quadrinista, para mostrar as suas referências e o making of da criação da capa, dos personagens, e outras curiosidades: http://jubiaba.blogspot.com/

Quem não conhece o trabalho do Spacca, pode conferir, além de Jubiabá, D. João Carioca, Debret – viagem histórica e quadrinhesca ao Brasil e Santô e os pais da aviação, todos três editados pela Cia. das Letras.

Um comentário:

Nuno Amado disse...

Milena, Jubiabá foi a única obra de Jorje Amado que eu gostei verdadeiramente. Ainda bem que tem uma boa adaptação!